Momento

A face vermelha
que espelha
seu calor

O olhar que brilha
indica a trilha
do explendor

O corpo que se arrepia
prenuncia
seu calor

Você que se entrega
e se escorrega
para o amor


Pedro Bertolino
23.11.2010

Cantos da mulher encantos

Pedro Bertolino 2010

Nunca certa mulher me cativou tanto
pelo caminho da minha vida em fora;
nunca fui envolvido por um tal encanto
como este com que me capturaste agora.

Vivo naquele constante alumbramento
de quem o corpo deseja; e a alma adora:
com a eternidade feita no momento
em que tu vens; e nosso desejo aflora.

O meu corpo inteiro ferve no calor
do êxtase supremo de prazer em ti,
meu Sonho/Bom, divino anjo sedutor.

Parece que desta vez enlouqueci
nas chamas ardentes deste nosso amor:
superação daqueles que já vivi.


Cotidiano

Pedro Bertolino

Uns nascidos para martelo,
outros, para prego nascidos

prega martelo
prega martelo

martelo feito gente
gente feita prego

prega martelo
prega martelo

martelo por martelar
prego por pregar


prega martelo
prega martelo

lixo por reciclar
charrete por puxar

toca cavalo
toca cavalo

em Florianópolis, 07 de Setembro de 2010

Prece do insano

Pedro Bertolino
A nossa ajuda
está no nome do senhor
que fez medicina
e se tornou psiquiatra

que detém o diploma
a caneta
o consultório

que receita conforme
a bula sagrada
do laboratório:

a cada um
a cada rótulo,
sua prescrição

conforme os ritos
dissimulados
da escravidão.


19 de Agosto de 2010

Beauvoir

Pedro Bertolino


Nua como a lua
ela se insinua
até meu ser

Ancas brancas
francas
em seu querer

Coxas redondas
desejos em ondas
chamando prazer

Depois de tudo
corpo desnudo
ainda mulher


Florianópolis, 03 de Agosto de 2010
Foto: Art Shay

Leia sobre a foto de Simone de Beauvoir nua no Blog do Nuca

Inverno

Pedro Bertolino

Assovio
do vento frio
no cipreste

Chuva fina
quase neblina
do leste

Rua nua
sem lua
inverno inconteste


12-08-010

Manhã de domingo

Pedro Bertolino

Eu só
e o curió

acolá
um sabiá

cardeais
em rituais

manhã
de domingo

de pingo
a pingo
Pedro Bertolino

Calçadas molhadas
ao vento sul
fazendo enredo

Casas fechadas
guardando segredo
nesta manhã

Mulheres caladas
servindo a maçã
em doce arremedo

III

Pedro Bertolino

Sou o que restou após a guerra

ajudei na morte de meus pais
tomei a vida de meus irmãos
estrangulei o menino que fui
cuspi na face do anjo
fiz meu filho ser aborto

paguei todo preço possível
para suportar o grande peso
e te buscar neste momento

(do livro "Trajeto")

encruzilhada

Pedro Bertolino/2004

encruzilhada
que não muda nada
qualquer caminho dará
na porta errada...

uma questão:
x=ss (?)

II

Pedro Bertolino
o homem assassino estrangulou o menino
e o sangue morno rolando na terra
fez argamassa para o túmulo

ruíram casas, templos, flores,
porque sou lodo, abutre e ferrugem
vim da endosmose de escarro, vermen e nada
os deuses me vomitaram num vazio côncavo

só longe se estendem em todos os sentidos
tocando infinitos no pátio de mim

(do livro "Trajeto")

Sempre-jamais

Pedro Bertolino/2009
A gente se tece
na atração que acontece

sem menos nem mais

e o velho desejo

em novo lampejo
então se refaz

na antiga ternura
quase loucura

de um sempre-jamais

Desvio

Pedro Bertolino/ 2009

Sua orelha
aquele beijo

seu arrepio

face vermelha
discreto desejo

fêmea no cio

antiga centelha
em novo lampejo

outro desvio

Poemilhas: As Praias

Pedro Bertolino

Quarenta e duas praias
para a gente se banhar.

Rendas e samambaias
para as vistas alegrar.

Mulheres tirando as saias
para o seu corpo queimar.

Jurerê Canasvieiras
brisas pra refrescar.

Galheta Praia Mole
Joaquina para surfar.

Campeche Armação
Lagoa para sonhar.

Praia da solidão
Você se desnudar.
Fpolis., novembro 2008.

Poemilhas: Ingleses do Rio, Vermelho

Pedro Bertolino

Na Praia dos Ingleses
Ingleses do Rio Vermelho

a água é verde verde
e limpa como espelho

na Praia dos Ingleses
Ingleses do Rio Vermelho

Baré botou a rede
Leca lançou também

e a gente fica esperando
pra ver que peixe vem.

Na praia dos Ingleses
Ingleses do Rio Vermelho

vento soprou forte
e pescador sem sorte
não teve quinhão nem nada.

Na Praia do Ingleses
Ingleses do Rio Vermelho
do Rio Vermelho.
Fpolis., novembro 2008.

Poemilhas: As areias da Lagoa

Pedro Bertolino

Rendeira deixa a renda
para menino ninar.
Pescadores de canoa
vão saindo para o mar.
E as areias da Lagoa
dizem coisas ao luar.


No sorriso da morena
um convite para amar.
Uma noite sem juízo
nos seus olhos a brilhar.
E as areias da Lagoa
são poemas ao luar.


Uma flor de açucena
pra a cena enfeitar.
Pele morena quente
pedindo para amar.
E as areias da Lagoa
fazem berços ao luar.


Fpolis., novembro 2008.

Poemilhas

Pedro Bertolino
O Morro da Cruz

não tinha luz
nem televisão

era apenas
Morro do Antão.

A ponte Hercílio Luz

tinha trilhos de pranchão
e um guarda sempre de plantão.

Lá embaixo

navios no porto
a Ilha do Carvão
menino absorto.

Havia uma Rita
que fazia marmita
e era depois Maria.

O povo da Arataca
comia semana inteira
e não sabia

que a sua marmiteira
um dia seria
Rita Maria.

Depois, vinha

o cais do Frederico
as lanchas
do Paulo Lopes

nosso mercado público.

O ônibus

parava na Alfândega
e não se chamava terminal
era apenas ponto final.

O Bar São Pedro

vendia pinga
para matar o bicho.

A chuva

molhava a gente
nas noites de carnaval.

O Job sabia de tudo

freqüentava o senadinho
e sacaneava aquele mudo
do café do Seu Foguinho.

O Adolfo
era dono dos autmóveis

e tinha selos
do ICM sem S

a provar propriedade
para quem quer que o quisesse.

A Dona Traça

se pintava
na Figueira da Praça
todas as manhãs.

As lavadeiras de Sambaqui:

pareciam margaridas
deixando as ruas floridas
com seu ti-ti-ti.

Desciam na Catedral

de um ônibus
quase sem bancos
e levavam na cabeça

aqueles seus sacos brancos.

Com as duas mãos soltas
cumpriam desenvoltas
seu rito matinal.

Eram marias

Marias de carnaval
levando na patroa
as roupas do varal.

O Morro da Cruz

não tinha luz
nem televisão.

Era apenas
Morro do Antão.
Fpolis., dezembro 2008.
(Versão completa publicada de Florianópolis)

Florianópolis

Pedro Bertolino

O Morro da Cruz
não tinha luz
nem televisão
era apenas
Morro do Antão.

A Ponte Hercílio Luz
tinha trilhos de pranchão
e um guarda sempre de plantão (...)

O ônibus
parava na Alfândega
e não se chamava terminal
era apenas ponto final (...)

A chuva
Molhava a gente
nas noites de carnaval.

O Job sabia de tudo
frequentava o senadinho
e sacaneava aquele mudo
do café do seu Foguinho (...)

A Dona Traça
se pintava
na Figueira da Praça
todas as manhãs.

As lavadeiras de Sambaqui
pareciam margaridas
deixando as ruas floridas
com seu ti-ti-ti.

Desciam na Catedral
de um ônibus quase sem bancos
e levavam na cabeça
aqueles seus sacos brancos.

Com as duas mãos soltas
cumpriam desenvoltas
seu rito matinal.

Eram marias
Marias de carnaval
levando na patroa
as roupas do varal.

O Morro da Cruz
não tinha luz
nem televisão.
Era apenas
Morro do Antão.


Pedro Bertolino


(Poesia publicada na revista "Santa Catarina Magazine", Ano 1 - Edição 9- 2009)

Poemilhas: Amanhecer

Pedro Bertolino

As aracuãs
do Caridade
acordam as irmãs.

O autorama
de ontem à noite
agora se insinua
sem luzes
e sem lua
com os carros
retomando a rua.

O sol
avança regressivo
do continente
dourando a ilha
pomposamente.

A cidade
amanhece menina
e a baía sul
se faz piscina
em cor de céu azul.



(Poema inédito do livro em preparo "Poemilhas", em Florianópolis, 20-01-2009.)

I

Pedro Bertolino

as flores se abriram para cima
a fim de que o corvo as contemplasse

mas ele trazia em seu bojo
apenas o sangue dos seus ancestrais
e o barro nojento das covas

de seus bicos abertos
caiu um tijolo
e ficou só a lama:
terra hedionda e sangue morto


(do livro "Trajeto")
Pedro Bertolino

o céu fugiu-me às vistas
a terra faltou-me aos pés
veio o abismo da noite

bati em todas as portas
inutilmente

só havia no côncavo do ser
vazio profundo
infinito nada

como os cegos abutres
finquei-me nas trevas

o silêncio tragou-me o grito
as sombras guardaram meus passos


Pedro Bertolino

(do livro "Trajeto")